Quando numa família se faz um diagnóstico de cancro é natural que todos procurem a melhor forma de ajudar o doente a ultrapassar a doença e todo o processo de tratamento. Um artigo da nutricionista Elsa Madureira.
A alimentação será aquela área em que mais recai a procura por informação pois, na prática, é aquela em que o doente e cuidadores mais podem interferir diretamente. É nesta altura que se fazem escolhas, frequentemente erradas, e que podem pôr em risco o estado nutricional do doente. Isto porque se confunde o que é a alimentação para prevenção do cancro com o que deve ser a alimentação depois de ter a doença, durante o tratamento. Por outro lado, são aliciantes as mudanças apregoadas como saudáveis e que mais não são do que modas, como a exclusão da lactose, do glúten ou a obrigação de incluir determinado tipo de alimentos como a água alcalina, os “shots para a imunidade” ou determinados alimentos específicos como pão preparado com determinado tipo de cereais, algumas frutas ou vegetais, etc. Também é muito frequente persuadirem estes doentes a adquirir uma panóplia de suplementos alimentares, de venda livre em ervanárias, online, etc, contendo produtos naturais que curam o cancro ou que melhoram o estado do doente. Estes produtos, extremamente dispendiosos, são totalmente inúteis na maioria dos casos mas podem ser perigosos pois interferem com muitos dos fármacos utilizados no tratamento e com a radioterapia.
Aqui é importante referir que um doente com cancro tem necessidades nutricionais aumentadas. E estas necessidades têm que ser cobertas sob pena de o doente iniciar ou agravar o processo de desnutrição. Porque o risco de malnutrição é muito elevado nestes doentes. Quer pelo efeito da presença do tumor, que leva a falta de apetite e a perda de peso e de massa muscular, quer pelos efeitos secundários dos tratamentos que vão contribuir para uma diminuição da ingestão alimentar ou do aproveitamento dos nutrientes ingeridos e para as alterações da composição corporal. Naturalmente a ansiedade, o medo, a tristeza, a alteração das rotinas e a incerteza do futuro contribuem para a falta de apetite e diminuição da ingestão alimentar.
Mas a malnutrição, a perda de peso e massa magra acentuadas, mesmo que em doentes obesos, tem um impacto negativo. Vai levar a uma menor resistência aos tratamentos, maior risco de infeções, internamentos e complicações, o que leva a uma redução dos tratamentos ou a sua interrupção com consequente pior resultado.
Portanto, a alimentação é um dos aspetos fundamentais no tratamento desta doença.
Um aporte nutricional adequada assegurado por via de uma alimentação ajustada à capacidade e tolerância do doente, à sua situação clínica mas, também, aos seus gostos e preferências.
Muitos dos sintomas resultantes dos tratamentos, sejam terapias sistémicas como a quimioterapia ou imunoterapia, ou locais, como a cirurgia e a radioterapia, podem ser amenizados através da alimentação. Para cada um há estratégias alimentares (e não só) para que este tenha menos impacto no estado nutricional do doente. A educação alimentar é fundamental para capacitar doente e cuidadores para a gestão destes sintomas.
Nem sempre é possível atingir as necessidades nutricionais com a alimentação e pode ser necessário recorrer a suplementos nutricionais orais ou a vias alternativas de alimentação, como a nutrição entérica (com sonda) ou parentérica (através da veia).
Porque sentíamos que havia esta dificuldade por parte dos doentes e seus cuidadores em aceder a informação fidedigna, científica, adequada a esta população, decidimos abraçar este projeto da criação de um “Guia de Alimentação na Pessoa com Cancro”. Foi desenvolvido pela AICSO (Associação de Investigação em Cuidados de Suporte em Oncologia) com o apoio da Danone-Nutricia e da Liga Portuguesa contra o Cancro.
É um guia realizado por diferentes profissionais que diariamente cuidam destes doentes, uma Oncologista, uma Enfermeira e duas Nutricionistas. É uma ferramenta escrita de forma acessível e organizada de uma forma prática e intuitiva para que doentes e familiares/cuidadores possam esclarecer as suas dúvidas relativas à alimentação e gestão de sintomas durante e após os tratamentos.
A completar este Guia há um pequeno livro de receitas apelativas, preparadas com Suplementos Nutricionais Orais, como forma alternativa de os tomar, quando estes são recomendados. Este Guia está disponível para consulta ou download (gratuito) no site da AICSO.
Um artigo da nutricionista Elsa Madureira, do Centro Hospitalar e Universitário de São João e coautora do “Guia de Alimentação na Pessoa com Cancro”.
Formato: Imprensa escrita digital | Interveniente: Elsa Madureira