Adaptação familiar ao diagnóstico de tumor cerebral: desafios do cuidado
O impacto de um diagnóstico de cancro, nomeadamente, de um tumor cerebral, pode assumir um efeito devastador não só no doente, mas também na família, porque toda ela vai ser envolvida neste percurso.
Um artigo de Eloísa Fernandes, psicóloga clínica.
O surgimento desta doença no núcleo familiar pode ser comparado ao efeito de onda que uma pedra provoca quando lançada a um lago, uma vez que é no seio da família que a experiência da doença se vai desenrolar, e todos os elementos vão ser afetados por este acontecimento de vida tão exigente e gerador de tantas mudanças no paciente, mas também nos restantes elementos.
A vivência do processo de uma neoplasia cerebral é única entre as doenças oncológicas, podendo assumir contornos bastante diversos. Enquanto existem pacientes que conseguem ultrapassar a doença, sendo o prognóstico nestes casos animador, permitindo que viva sem complicações associadas e mantendo a sua qualidade de vida, por outro lado, há casos em que os défices funcionais podem obrigar a um grau de dependência dos cuidadores. São fatores determinantes para a evolução da doença: o tipo histopatológico do tumor, o maior ou menor grau de agressividade do mesmo e a sua localização.
Importa salientar que o cérebro é responsável por assegurar as funções mais importantes do corpo humano, como: o controlo motor do corpo, a função neurológica, cognitiva, para além de funcionar como a base da identidade e da existência do indivíduo. Em algumas circunstâncias, a alteração destas funções pode conduzir a algum grau de dependência ou sofrer declínio ao longo do tempo, levando à necessidade de que alguém assuma o papel de cuidador. Na maioria dos casos, o parceiro e/ou cônjuge acaba por assumir esta função, contudo, assegurar este papel traz consigo várias implicações, nomeadamente: o impacto que esta mudança irá ter no seu trajeto de vida e na sua saúde, o aumento das exigências do cuidado dependendo da condição da pessoa doente, podendo mesmo levar a uma necessidade permanente.
Para além das mudanças de papéis, como a interrupção na sua atividade profissional o familiar/cuidador assume responsabilidades acrescidas relacionadas com a prestação de cuidados para as quais não se sente preparado, visto que nunca se deparou com esta necessidade previamente. Com a perda progressiva das capacidades do paciente, as responsabilidades do cuidador aumentam, e comummente esta sobrecarga aliada a privação de sono, diminuição dos momentos de lazer, desinvestimento no seu próprio projeto de vida e consequente isolamento social, deixa esta figura mais suscetível ao desenvolvimento de quadros depressivos e ansiosos muitas vezes desvalorizados por se considerar inevitável que exista sofrimento emocional associado à vivência da doença de um familiar próximo. No entanto, é crucial que este seja levado em conta e minimizado, e para tal a equipa de profissionais de saúde deve estar atenta às necessidades desta população numa fase avançada da doença, incluindo a sua abordagem nos cuidados que presta ao doente inserido no seio familiar.
A par das questões anteriormente mencionadas acrescem as características de cada família, pois cada uma delas tem nos seus membros pessoas em fases e idades de desenvolvimento distintas com formas diferentes de se adaptar à doença e enquanto cuidadores quando é o caso. Em casos em que a situação socioeconómica destas famílias é desfavorecida, onde existem outros problemas de saúde, que tenham experienciado outros acontecimentos de vida negativos e o suporte social é escasso, o risco de sofrimento emocional aumenta exponencialmente.
Torna-se, portanto essencial minimizar as consequências psicológicas, e desgaste provocado por todas as exigências deste tipo de cancro, pois para além do cuidador ter de lidar com as alterações de humor e de personalidade que por vezes ocorrem nestes doentes, a perda de algumas capacidades cognitivas poderá não permitir que ambos enfrentem conjuntamente as tristezas e as perdas.
Um artigo de Eloísa Fernandes, psicóloga clínica na Unidade de Psico-Oncologia da Liga Portuguesa Contra o Cancro do Núcleo Regional do Norte.
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